Meu convidado de hoje é uma das pessoas mais citadas nesse blog, assim como foi no Criative-se. Trata-se do meu querido amigo Wagner Campelo, designer carioca que conheci há pouco mais de dez anos, quando trabalhamos juntos em um escritório de design. Eu comecei como estagiária e foi o Wagner que me entrevistou para o cargo. Lembro de ter tido a impressão de que ele ficou satisfeito com os trabalhos que apresentei no portifólio e saí da entrevista animada. Alguns dias depois, lá estava eu trabalhando junto com o Wagner! Passamos uns quatro anos convivendo todos os dias, mas foi depois que saímos do escritório que nossa amizade se fortaleceu. Além de adorarmos trocar figurinhas sobre os mais diversos assuntos, ele é um dos profissionais do ramo de design que mais admiro. Extremamente talentoso e criativo, o Wagner consegue transformar qualquer coisa aparentemente “sem graça” em pura arte. Vamos conferir?
O desenho sempre esteve presente na minha vida. Quando criança nenhuma outra brincadeira me parecia mais interessante e divertida que desenhar, inventar mundos imaginários, e usar cores para dar vida às formas recém-criadas. Todos diziam que eu tinha muito jeito com desenho, e eu acreditei no que ouvi. Tanto que, mais tarde, na época do vestibular, consegui entrar na Escola de Belas Artes da UFRJ. Formei-me em 1985. Percorri um caminho tortuoso no universo do design desde minha formatura, mas hoje posso dizer que realmente adoro o que faço e não trocaria este ofício por nenhum outro. Minhas estampas estão sendo comercializadas nos EUA e na Europa. Alguns desenhos meus foram publicados numa revista internacional de tendências e, recentemente, num livro especializado no assunto. Minhas padronagens estão sendo utilizadas no segmento de decoração e também por alguns estilistas de moda praia. O que mais tem me agradado ultimamente é ver o resultado do meu trabalho aplicado em produtos diversos. Esta é uma das vantagens do design de superfície: ele oferece um campo praticamente ilimitado de imaginação e inventividade.
Revista de tendências TEXITURA | biquíni com estampa localizada LYBETHRAS SWIM | Papel de parede ALLUMINARE | Livro Exciting World of Pattern Design
Wagner, conta pra gente: o que é o design de superfície?
Para mim é um processo que alia criatividade e técnica na concepção e execução de desenhos ou imagens projetados com determinada finalidade para aplicação em superfícies. Seu objetivo é apresentar ideias funcionais e estéticas levando em conta os diferentes métodos e materiais.
Cartaz MARACATU desenvolvido para a Cartazêra
Qual foi seu primeiro contato profissional com este segmento do design?
Em 1989 tive a oportunidade de trabalhar numa fábrica de material vinílico como desenhista de padronagens. Na verdade, eu nunca havia trabalhado nesta função e precisei fazer um teste que levou praticamente o dia todo. Depois de aprovado, comecei a descobrir, na prática, o que era exatamente desenhar padronagens — e adorei as “descobertas”! Elaborar desenhos que se emendavam continuamente através de módulos e ver o resultado impresso desse trabalho em papel de parede, revestimento para estofados e muitas outras superfícies vinílicas foi não só uma grande novidade, como uma surpresa gratificante. Muito do que sei hoje aprendi nesta fábrica, num tempo em que os computadores não existiam e tudo tinha que ser feito com lápis, tintas e pincéis.
Coleção de estampas coordenadas desenvolvida exclusivamente para a CARA RIMA
Você sempre trabalhou como designer de superfície?
Não. Depois de 3 anos como desenhista de padronagens a empresa extinguiu o departamento de marketing, fazendo com que eu procurasse outro trabalho. Eu pretendia continua na mesma área, mas, naquela época (1991), não havia ainda muito mercado para este ofício. Assim, acabei trabalhando em outros segmentos do design (comunicação visual, design gráfico, webdesign). Mas estas outras especialidades não me davam tanto prazer quanto o design de superfície. Em 2003 surgiu uma nova oportunidade de trabalhar com padronagens, um projeto envolvendo diversos designers na criação de estampas com uma linguagem genuinamente brasileira. Não pensei duas vezes. Lamentavelmente, o projeto não teve o sucesso esperado. Entretanto, eu me certifiquei de que o universo das estampas e padronagens era realmente o que mais me atraía e estimulava em termos de design. A partir de então comecei a tentar trabalhar apenas com o que me agradava. Só recentemente, de uns 4 anos pra cá, tenho me dedicado exclusivamente ao design de superfície.
Coleção de estampas de temática indiana desenvolvida para a PANO DIGITAL
Seus trabalhos têm mais projeção no exterior do que no Brasil. A que você atribui este fato?
Creio que isso se deve a 2 fatores. Primeiro, aqui no Brasil ainda existe uma mentalidade — totalmente ultrapassada! — que valoriza apenas o que vem de fora. Como não era (é) muito simples conseguir trabalho nesta área aqui, comecei a buscar espaço onde este ofício fosse valorizado. Ironicamente, no exterior, quase tudo envolvendo “Brasil & Design” interessa muito, e eu consegui fazer alguns contatos interessantes pela Internet. Além disso, uma agente em Londres me propôs representar e comercializar meu trabalho na Europa e EUA. Assim, acabei tendo algum reconhecimento no exterior muito antes de ser reconhecido aqui. Por outro lado, justamente por conta da tal mentalidade mencionada acima, talvez meu trabalho só tenha começado a ter alguma visibilidade ano Brasil por ter tido certa projeção internacional. Devo dizer que é muito importante ter algum portfolio online (blog, site, flickr, coroflot), isso facilita enormemente não apenas a divulgação do trabalho, mas também possibilita prováveis convites e propostas. Há vários anos invisto bastante nessa espécie de “vitrine” chamada Internet, sobretudo através do meu blog. O resultado pode até demorar um pouco, mas se o trabalho tiver qualidade ele certamente será visto.
Estampa CARIOCA desenvolvida para a empresa americana de decoração ALLUMINARE, aplicada em cortina bandô e papel de parede
Onde você busca inspiração para suas criações? Como escolhe as cores? Você segue tendências?
Tudo pode ser fonte de inspiração para mim: desenhos, pinturas, fotos, filmes, livros, música... Entretanto, como fotógrafo amador, admito que as cores e formas da natureza — a nossa em especial — têm sido fonte inesgotável para a maioria dos meus desenhos. Mas acredito que a fonte de inspiração deve estar de algum modo vinculada ao objetivo que se pretende alcançar: quando tenho que seguir determinada tendência não há como fugir de “algo inspirador” ligado ao tema a ser explorado.
Sobre as cores, eu procuro sempre um resultado harmonioso levando em conta as formas. Cada estampa precisa ser entendida como um todo que poderá ser percebido tanto de perto quanto de longe. As cores devem funcionar de modo a destacar do fundo os elementos significativos, mas também devem criar uma sensação que integração entre as figuras em destaque e o próprio fundo no qual se apóiam. Ou seja, a harmonia e o equilíbrio devem existir o tempo todo.
Nem sempre sigo tendências, pois elas podem ser muito relativas. Há dois anos desenho para a Texitura, uma revista internacional de tendências. Neste caso preciso seguir as orientações fornecidas a fim de criar padronagens originais segundo os temas propostos. É um trabalho ao mesmo tempo desafiador e um tanto limitante, já que necessito me ater a determinadas temáticas e cores. Evidente que cada tema em si oferece uma série de possibilidades, mas eu nunca extrapolo essas “fronteiras” a fim de não fugir da proposta inicial. Eu também gosto de criar estampas que não estão ligadas diretamente a nenhuma tendência. Isso faz com que as padronagens não fiquem “datadas” e tenham um tempo maior de vida útil.
Revista TEXITURA e tendências para 2010: Multicolored Action e Organic Lines
Fale sobre as estampas fotográficas e sua aplicação na moda praia.
Esta foi uma das maiores surpresas que tive recentemente. Uma estamparia digital com a qual eu tinha contrato queria padronagens que explorassem a riqueza de tonalidades e detalhes que as fotos podem ter. Eles me propuseram criar algumas estampas segundo estes critérios. Como eu tinha uma infinidade de fotografias que havia feito no jardim botânico não foi difícil escolher imagens que pudessem se transformar em padronagens. Curiosamente, quando criei as estampas não pensei, num primeiro momento, que pudessem ser utilizadas em moda praia. Apesar de toda a padronagem ter originalmente um fim determinado, nada impede que estas finalidades sejam alteradas. Assim, uma estampa criada para decoração pode ser adaptada para moda e vice-versa. Esta é outra das vantagens do design de superfície: as padronagens não estão rigorosamente limitadas e este ou àquele uso específico, com alguns ajustes tudo pode ser reaproveitado. Enfim, coincidentemente, 3 das “estampas fotográficas” foram vendidas para o segmento de moda praia — e eu fiquei muito satisfeito com o resultado, pois estas padronagens me pareceram perfeitas para a confecção de acessórios, maiôs, biquínis e kaftans.
Fotografia feita no jardim botânico do Rio (arquivo original). Foto convertida em estampa fotográfica. Estampa aplicada em biquínis e acessórios da Lybethras Swim.
Qual a maior dificuldade no seu processo criativo, ele é sempre o mesmo?
O mais importante — geralmente o mais complicado — é saber determinar o rapport. Rapport é o módulo de repetição, ou seja, o desenho (ou imagem) que repetido no sentido vertical, horizontal e diagonal vai dar a ideia de que a estampa é contínua. Este módulo, que pode ser quadrado ou retangular, precisa ter um encaixe perfeito para que quando repetido “desapareça” no meio do todo. É necessário que ele fique encaixado (e disfarçado) de tal modo que não se perceba claramente onde ele começa ou termina. Dependendo do grau de elaboração da estampa, esta pode ser a parte mais complexa do trabalho.
Meu processo criativo nem sempre é o mesmo, pois tudo depende do projeto, do cliente e dos interesses dele. Mas posso dividi-lo basicamente em 2 tipos: estampas feitas com imagens e estampas vetoriais (traço). Para cada uma destas vertentes o processo varia, pois é necessário usar programas diferentes para gerar os arquivos digitais. Devo dizer que posso desenhar diretamente usando o micro, mas costumo também desenhar muito a mão livre, mesmo que isso não transpareça no resultado final.
Estampa localizada e estampa fotográfica aplicadas em saídas-de-praia da coleção 2010 da Lybethras Swim e da Mariskal
Como você definiria o seu estilo?
Considero meu trabalho é diversificado e eclético. Tenho predileção por estampas que aliem formas e cores numa linguagem simples, bastante gráfica e alegre, mas também gosto de usar minhas fotografias na elaboração de padrões mais ricos em termos de nuances e texturas. Do mesmo modo, não gosto de limitar minhas estampas a este ou àquele segmento. Moda, decoração, papelaria... tudo me interessa, sempre! E cada vez mais me sinto estimulado a explorar e estampar novas superfícies!
Estampas florais
E então, o Wagner não é “o cara”????? Além de trabalhar com design de superfície, ele também é um fotógrafo habilidosíssimo, mas isso será tema de um próximo post!
Beijos e uma semana bem colorida pra todos!!!!!