quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Os Bichos da Lúcia e a Síndrome de Noé

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Os primeiros dias de dezembro possuem um clima especial pra mim: é o começo do mês do Natal, que traz significados e sentimentos diferentes para cada um de nós. Para alguns, é tempo de festa e celebração junto à família e, para outros, é uma época meio triste, durante a qual nos lembramos dos amigos e familiares que partiram e deixaram saudades. De qualquer maneira, acredito que a maioria das pessoas, religiosas ou não, sinta algo diferente nessa data. Com a aproximação do fim do ano, é inevitável refletir sobre o período de quase 365 dias que ficou pra trás: quais foram nossos acertos, nossos erros, o que gostaríamos de mudar em nós mesmos ou no mundo, a que gostaríamos de dar continuidade etc.

Sei que campanhas de Natal existem aos montes nessa época e cada um se sente disposto a contribuir com a que mais lhe emociona ou cativa, dependendo de suas crenças e/ou valores. No meu caso, não tenho dúvidas de que os animais, esses serem que nos amam incondicionalmente e que aprendi desde cedo a respeitar e admirar, merecem uma menção e um pedido de ajuda tanto agora quanto em qualquer outra época do ano.

O “Bonfa Convida” de hoje é muito especial porque recebo uma pessoa bastante iluminada e generosa, que tem uma história curiosa e interessante para dividir conosco…

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Quem sou eu: Giany Gonze Tellini, moro em Santos desde 2004, sou fisioterapeuta e mãe de um poodle de 13 anos e um casal de gatos adotados numa manhã chuvosa, quando os encontrei recém nascidos dentro de uma caixa no Parque Ibirapuera, em São Paulo.

Provavelmente, assim como eu, você também nunca ouviu falar da Síndrome do Colecionador de Animais ou Síndrome de Noé. Só soube da existência desse distúrbio no dia que uma vizinha adoeceu e foi internada com um surto psiquiátrico, deixando abandonados em casa cerca de 90 animais.

Descrita em 1981, essa síndrome, também conhecida pelo nome em inglês “animal hoarding”, é um desvio de comportamento com sinais bem característicos. A pessoa, geralmente mulher com mais de 60 anos e com tendência ao isolamento, seja ele voluntário ou por não ter familiares próximos, passa a recolher animais mesmo sem ter condições para mantê-los. Recusa-se a doá-los por acreditar que ninguém poderá cuidar deles melhor que ela própria. Ela não reconhece o sofrimento e o adoecimento do animal e até mesmo pode negar a sua morte, escondendo corpos pela casa. Torna-se cada vez mais afastada das relações sociais e familiares e não se dá conta da deterioração do ambiente e até mesmo da própria saúde.

Ao ler essa descrição, talvez você tenha se lembrado de alguma história envolvendo uma tia-avó distante ou uma lendária “louca dos gatos” da sua cidade, velhinha e solitária, que vivia com seus 40 gatos em uma casa que ninguém gostava de ir por causa do mau cheiro e da sujeira.

Em um primeiro momento, pode até nos parecer consolador saber que mesmo em uma situação não ideal, essa pessoa se dispõe a acolher e abrigar pobres bichinhos abandonados, mas isso é um grande erro – aliás, dois – os animais estão sofrendo em cativeiro e a pessoa doente não está recebendo os cuidados que precisa.

Voltando ao caso da vizinha doente e seus muitos bichos, quando entrei pela primeira vez na sua casa humilde e deteriorada pelo tempo e pela falta de cuidados, a cena era de horror: 50 gatos assustados e famintos arranhavam e subiam pelas minhas pernas como que pedindo socorro enquanto aproximadamente 40 cães me cercavam, latindo e pulando em desespero. A sujeira e o mau cheiro eram gritantes e eu que sou “mãe” de dois gatos e um cão só conseguia pensar “meu Deus, por onde começar?”

De repente eu me vi no lugar de uma verdadeira colecionadora de animais!

Quando a situação foge totalmente do controle e os animais ficam em situação de abandono por morte ou doença do colecionador ou pela intervenção da família ou de órgãos públicos, tem-se um grande problema nas mãos. O que fazer com tantos animais doentes, desnutridos e traumatizados?

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Ao abraçar a causa dos animais da casa da Lúcia, descrita no blog “Os Bichos da Lúcia”, pude vivenciar a dificuldade e complexidade do resgate e encaminhamento de cães e gatos em situação de necessidades extremas. Os órgãos públicos e os não governamentais não estão preparados para essa situação, não existem lares temporários suficientes para acolher esses animais e nem a mais otimista das campanhas de adoção pode absorver a demanda crescente.

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Talvez seja necessário pensar não só no problema final, ou seja, nos animais em situação de maus tratos e/ou abandono, além da pessoa doente sem assistência, mas no que está no início de tudo e que desencadeia as condições para o agravo da situação. Será que não poderíamos nos ater mais no cuidar do que no remediar?

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A essência do ser humano reside no cuidado e na adoção de valores e atitudes que favoreçam o bem estar como um todo. A posse responsável, a castração dos animais, o combate ao abandono e outras medidas semelhantes de prevenção e controle são facetas de uma mudança macro que passam, necessariamente, pela informação, educação e orientação à população. Os instrumentos que coíbem e/ou penalizam condutas inadequadas no manejo de animais somente são úteis quando não se há conscientização e respeito aos deveres e direitos dos indivíduos, sejam eles humanos ou não. Infelizmente, a penalização só é possível depois que a agressão já ocorreu.

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A meu ver, depois de tudo que temos passado com os bichos da Lúcia, somente a mudança na forma de interpretar e abordar os problemas poderá evitar que casos semelhantes aconteçam ou minimizar situações de resolução tão complexa.

Mas enquanto isso a vida continua, os animais sentem fome e precisam de cuidados e o que temos feito desde então foi combinar ações de estímulo e sensibilização de seres humanos para adoção e ao mesmo tempo, manter o mínimo de atenção e manutenção aos animais que foram prisioneiros desse amor doentio da D. Lucia. O cenário atual é, graças ao apoio de pessoas como a Katia, de muitos animais já em novos lares. Contamos ainda com nove cãezinhos a espera dessa chance.

Nesse momento, quanto mais pessoas souberem como identificar e abordar um colecionador e que exijam atuações efetivas dos órgãos responsáveis pelo bem estar animal, vigilância sanitária e saúde coletiva, além do envolvimento efetivo da população, mais chances teremos para conquistar um cenário menos sombrio que o atual, pois não se trata apenas da adoção de ações isoladas, mas de cuidar do planeta, das águas, das florestas e do clima, há de se preocupar com o bem estar dos seres vivos, tendo em mente que “tudo o que existe e vive precisa de cuidado para continuar a existir e a viver: uma planta, um animal, uma criança, um idoso, o planeta Terra” (Leonardo Boff). 

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Querida Katia, serei sempre muito grata ao apoio que deu à nossa causa e pelo carinho com que nos recebeu no seu blog. Para conhecer os bichinhos que ainda estão sob nossos cuidados e também o relato da nossa “estréia” em resgate de animais, convido seus leitores a seguir o blog OS BICHOS DA LÚCIA. Toda ajuda será sempre muito bem vinda!

Giany

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Giany, eu agradeço muitíssimo sua participação no BONFA CONVIDA de hoje e espero que volte outras vezes com novos temas e alertas sobre os problemas que enfrentam os cães abandonados e/ou que sofrem maus tratos nas ruas ou mesmo dentro de casa. A adoção responsável é algo que defendo bastante e o primeiro post sobre minha posição quanto a essa questão foi o seguinte:

http://casosecoisasdabonfa.blogspot.com/2009/04/cachorro-e-tudo-de-bom-se-for-adotado.html

Gostaria de copiar aqui um trecho desse post que reflete o que penso sobre adoção:

“Todos os animais que meus pais possuíram, sem exceção, foram adotados. Sou contra o comércio de animais e penso que bicho não se compra, se adota. Quem ama não se importa com raça ou status. Bicho não é roupa de grife, não é objeto de consumo. Bicho é um ser vivo que merece respeito, carinho e cuidados apropriados. Na minha família seguimos esse princípio e agradeço demais aos meus pais por me ensinarem a amar esses pequenos seres pelo que são e não por sua aparência. A partir daí foi natural estendermos esse sentimento aos seres humanos.”

Sou radical mesmo, gente. Até porque, ao longo da vida, fui colecionando algumas histórias horrorosas, como as seguintes: uma pessoa queria entregar um cão de uma determinada raça para adoção porque ele não estava mais na moda!!!! Um rapaz queria que sacrificassem um poodle porque ele era da ex-esposa e ele queria se vingar dela!!!! Alguns canis que foram à falência deixaram centenas de animais abandonados à própria sorte e, em alguns casos, são realizados cruzamentos consaguíneos entre os espécimes mais belos para gerarem filhotes atraentes (somente por fora, porque carregam várias anomalias genéticas).

Conversando com minha mãe outro dia a repeito da campanha que fazemos de forma ostensiva entre pessoas próximas, constatamos nossa mútua decepção ao percebermos que essa atitude parece não surtir o efeito desejado porque muitos dos nossos conhecidos continuam preferindo comprar a adotar um bichinho. Eles nos elogiam por nossa postura, mas não pensam duas vezes antes de desembolsar algumas centenas (ou milhares) de reais para adquirir um filhote de “raça pura”.

Por todos os motivos explícitos nas palavras da Giany e porque existem muitos animais abandonados que só precisam de um pouco de carinho e atenção, peço que, ao menos, considerem outras opções antes de pensarem em comprar um animal. E se o desejo for ter um cão de raça, procurem se informar sobre a idoneidade de quem produz e vende os bichinhos, evitando e denunciando os lugares inescrupulosos. E, já que estão dispostos a gastar, que sejam também generosos e auxiliem uma instituição de assistência aos carentes.

Esse é o meu desejo oficial de Natal: que as pessoas se preocupem menos com a aparência e mais com a essência, em todos os sentidos!!!!

Para conhecer melhor a Giany e sua bela campanha, basta acessar o seguinte link:

http://bichosdalucia.blogspot.com

Para finalizar o post, deixo aqui mais algumas imagens do “bichos da Lúcia”…

miranda antes e depois

bilu3

marrom

laika

raposa3

papo2

snoopy

vermelho3

Quanto mais carente o olhar do bichinho, mais vontade eu tenho de acarinhá-lo e protegê-lo…

Um grande beijo pra todos com votos de um mês bastante especial!!!!

P.S.: Passarei o final de semana em Recife (PE), mas volto na segunda!!!!

Bonfa ass